Um dia destes, comentava com a Pascoalita não ser grande adepta de filosofias por achar que, por vezes, esticam demasiado o raciocínio até ao limiar do absurdo. Prometi-lhe um exemplo, e aqui está ele :
Há uns tempos, resolvi ler (por sugestão) o livro ‘Portugal Hoje’ de José Gil, onde ele defendia que só vivemos realmente um facto depois de inscrito. Eu até pensava que estava a perceber a ‘história’ da inscricção mas, eis que o José Gil resolveu explicar ‘melhor’:
O que é uma inscrição? Como é que os acontecimentos de uma vida ganham o sentido de experiências decisivas, formadoras, quer dizer, como é que elas se inscrevem de maneira a construir uma vida?Quando é que um acto, uma palavra, um pensamento, um gesto não se inscrevem no outro, ou em qualquer plano de inscrição do campo social? Quando a violência ultrapassou um certo limite de intensidade (como em certos traumas), mas também, quando a força não chega a um limite inferior.Significa isto que não há manifestação possível do desejo. Quando o desejo se inscreve num outro desejo surge então o Acontecimento. A inscrição acontece quando o desejo se modificou sob pressão, a força, de um outro desejo, ou da violência de um outro acontecimento. O encontro com o desejo produz um novo Acontecimento, é ele que se inscreve.Inscrever-se significa, pois, produzir real. É no real que um acto se inscreve porque abre o real a outro real. Não há inscrição imaginária e a inscrição simbólica (apesar do que pretende a psicanálise) não faz mais do que continuar a realidade já construída. Quando o desejo não se transforma, o Acontecimento não nasce, e nada se inscreve.Assim, um amor inscreve-se porque aumenta o desejo.É um encontro de potências que amplifica a potência dos desejos. A transformação do desejo vai ao encontro do diagrama do desejo, do trajecto das suas potências virtuais em direcção à sua actualização presente. Por isso a inscrição faz o presente, um presente de sentido, não situado no tempo cronológico, que dá sentido à existência individual ou à vida colectiva de um povo….
É impressão minha ou ele não se releu mesmo?
Ficaria seriamente preocupada com as minhas capacidades interpretativas, não fosse a leitura da crítica do Eduardo Prado Coelho sossegar-me
_«Pensador difícil e denso, altamente criativo, capaz de inventar conceitos próprios…»_
Com um comentário destes, palpita-me que ele também não percebeu lá grande coisa ;)